PROJETO - Geografia das Pequenas Paisagens
- Fabio Moreira
- 11 de fev.
- 6 min de leitura
Atualizado: 4 de mar.

Historiadores afirmam que grandes extensões do interior da Inglaterra, da Escócia e do País de Gales não eram devidamente apreciadas antes daquele século. Lugares posteriormente considerados natural e incontestavelmente belos — o vale do Wye, as Terras Altas da Escócia, Lake District — foram tratados, durante séculos, com indiferença e até desdém. [...] Para as criações da Natureza britânica, durante muito tempo foram poucas as obras de arte que se assemelharam a elas. Porém, ao longo do século XVIII, essa escassez foi gradualmente superada [...] Em 1727, o poeta James Thomson publicou As estações, celebrando a vida agrícola e a paisagem do sul da Inglaterra. [...] Pintores também começaram a levar em conta seu país. Mal teve início o processo, houve uma explosão no número de pessoas viajando pelas ilhas. Pela primeira vez, o vale do Wye se encheu de turistas, assim como as montanhas no norte do País de Gales, Lake District e as Terras Altas da Escócia — uma história que parece confirmar à perfeição a alegação de que tendemos a buscar certos cantos do mundo apenas depois de pintados e descritos por artistas. Alain de Botton, A Arte de Viajar, p.204-206
Já escrevi em outras oportunidades sobre minha relação com o lugar onde vivo. Eu, que tanto queria conhecer o mundo, me dei conta de que não conhecia nada sobre o lugar onde havia nascido e vivido a infância. E desde que voltei para minha terra natal tenho me dedicado a estudar sua história, sua cultura, sua geografia. E como fotógrafo, nada mais natural que esse interesse fosse acompanhado pelo desejo de fotografar o mundo que eu estava redescobrindo.
Desde minhas primeiras incursões pelo interior da cidade, seguindo depois pelas viagens pelo interior do estado e para além das fronteiras, a câmera fotográfica sempre foi uma fiel companheira. Mas, mais que um instrumento para o registro de minhas viagens, a câmera também era um instrumento de reflexão, me fazendo pensar sobre a influência que as imagens - e a arte de modo geral - exercem sobre a maneira como percebemos a realidade.
Desse processo de reflexão resulta o projeto Geografia das Pequenas Paisagens. Instigado pela exposição que seria realizada ao final do Programa de Formação de Artística da AAPLAJ (programa do qual eu participei ao longo de 2024), Geografia das Pequenas Paisagens nasce como um projeto fotográfico de longo prazo no qual me proponho a registrar, por meio da fotografia de smartphone, as paisagens que encontro durante os percursos que faço para explorar o mundo a minha volta. Para a exposição Prelúdio, em cartaz na sede da AAPLAJ até o dia 16 de fevereiro de 2025, selecionei um conjunto de 9 fotografias realizadas ao longo de 2024.

O QUE SIGNIFICA GEOGRAFIA DAS PEQUENAS PAISAGENS? Uso aqui a palavra Geografia com o sentido de “mapeamento”, de exploração, de “descrição da terra” (geo=terra; graphia = escrita). Tem também um sentido de "coleção", visto que todo mapeamento demanda uma espécie de coleta de dados, e a atividade geográfica sempre manteve uma relação muito próxima com o ato de colecionar. Minhas fotografias, então, são uma espécie de coleção ao qual o observador pode recorrer para formar sua própria noção de espaço - o auxilia a formar uma imagem do lugar em que habita. Já a expressão "Pequenas Paisagens’ se deve, em especial, por algumas razões. Em primeiro lugar, a expressão faz referência a própria dimensão física das impressões em papel. A baixa nitidez proporcionada pelas câmeras de smartphone não é mais adequada para impressões em grandes formatos, o que me levou a optar por impressões menores, pequenas, de 09x12 cm até no máximo 21x28 cm. Ou seja, Pequenas Paisagens é uma forma abreviada de dizer "fotografias pequenas de paisagens". Ainda sobre a escolha do tamanho das impressões, a nitidez das fotografias não foi o único fator relevante para esta decisão. As pequenas dimensões das obras expostas exigem que o espectador se aproxime, e esta proximidade contribui para criar uma sensação de intimidade e cumplicidade. Em segundo lugar, a expressão pequeno também denota um sentido de importância, sendo usada para se referir àquilo que tem pouca expressão, valor ou significado, em contraposição ao que é grande, grandioso, sublime, extraordinário. As pequenas paisagens que registro são aquelas próximas de nosso cotidiano e, por isso, quase sempre ignoradas e consideradas sem importância, em contraposição aos grandes monumentos naturais e horizontes sem fim que se tornaram os destinos mais procurados por turistas e fotógrafos de paisagem. Por último, e voltando a tratar da questão da proximidade, tenho procurado fazer uma fotografia de paisagem que volte a se concentrar nas pequenas distâncias. Em A Invenção da Paisagem, a pensadora francesa Anne Cauquelin conta a história de como os artistas renascentistas mudaram a maneira como percebemos a paisagem. Desde então nosso olhar - em especial o dos fotógrafos - são atraídos por vastos e distantes horizontes. Mas nem sempre foi assim. Antes dos quadros e pinturas renascentistas as pessoas tinham dificuldade para notar essa imensidão e lhe davam pouca atenção (assim como, por exemplo, muitas pessoas não param para reparar no céu e tenham dificuldades para diferenciar as nuvens umas das outras). Não deixarei de fotografar horizontes distantes, mas me proponho a prestar mais atenção às paisagens médias e curtas - e assim fazer com que as pessoas passem a prestar atenção nelas também.
Geografia das Pequenas Paisagens é isto: um mapeamento das paisagens cotidianas que não são notadas por, supostamente, não possuírem nada de extraordinário. Uma coleção de imagens para serem vistas e ajudarem a formar uma visão própria sobre o lugar em que vivemos.
Em tempos de redes sociais, inundadas por imagens de lugares exóticos e distantes fora de nosso cotidiano, as pessoas por vezes acabam deixando de perceber a beleza e o significado do lugar onde vivem. Alain de Botton, em seu ‘A Arte de Viajar’ (você pode conferir mais sobre esse livro clicando aqui), nota que a maior parte das pessoas, pelo simples fato de viver em um mesmo lugar por muitos anos, estão convencidas de que já descobriram tudo o que havia de interessante para ser descoberto, e de que “parece inimaginável que haja algo novo a ser descoberto num lugar em que vivemos há uma década ou mais.” Como ele bem resumiu: “estamos habituados e, portanto,
cegos”.

A ARTE NOS FAZ VER
"A arte não reproduz o que vemos. Ela faz-nos ver." A frase não é minha, mas do pintor expressionista Paul Klee. E faz todo o sentido. E quais são as consequências?
Se o mundo à nossa volta parece desinteressante e o hábito nos torna cegos para as paisagens e cenas que fazem parte de nosso cotidiano, o mundo que parece interessante e que vale à pena ser visto passa a ser aquele nos são apresentados nos programas de televisão, nas imagens compartilhadas pelas redes sociais e nos textos publicados em sites voltados ao turismo e viagens. Lugares distantes onde tudo parece diferente, e todas as coisas mais simples e comuns se tornam extremamente fascinantes. Para além da novidade, o fato é que viajar se tornou uma mercadoria, e compartilhar imagens de uma viagem para algum lugar distante, ou um autorretrato tendo uma paisagem famosa como pano de fundo, tornou-se um tipo peculiar de ostentação.
Não estou aqui fazendo juízo de valor, mas apenas uma constatação. Não há problema algum em viajar, fotografar e querer conhecer um lugar distante - até porque tal experiência pode nos fazer ver o próprio lugar onde vivemos sob uma nova perspectiva, diferente daquela com a qual já estamos habituados. Não há nada de errado também em querer compartilhar essas imagens com outras pessoas. O ponto que considero problemático é quando deixamos de nos importar com o lugar em que vivemos por este não se parecer com o lugar que nos chegam pelas telas do cinema, da televisão ou pelas redes sociais. Ou então, no pior dos casos, quando se busca ativamente destruir os elementos mais específicos de um local (sua fauna, flora, rios, etc) para substituí-lo por uma imitação da terra estrangeira - o que é a regra em um país como o Brasil, visto que a colonização e a imigração não representaram apenas a chegada de novas pessoas a este território, mas também a chegada de outros valores, outros ideais e formas de se relacionar com o espaço, muito diferente da maneira dos povos originários.
O ato de VER não se limita ao olho. De fato, a maior parte das coisas do mundo nos passam despercebidas. O que vemos depende de nossas experiências, de nossa bagagem cultural. Depende do que nos ensinam nossos pais, nossos professores, nossas lideranças religiosas. Depende do que vemos no intervalo dos telejornais, dos outdoors espalhados pela cidade e anúncios estampados em revistas. E depende, também, do que escrevem os escritores e poetas, do que cantam os músicos, do que nos mostram os cineastas, os pintores e os fotógrafos.
Em um mundo regido pelo sistema capitalista, é a busca por mais lucros que motiva uma parte significativa da produção e reprodução de imagens. Imagens que nos fazem querer comprar um novo tênis, uma nova casa, um carro novo, ou então uma bicicleta, uma câmera fotográfica e uma viagem para bem longe da civilização. De todo modo, nesse mundo guiado pelo lucro, a arte continua sendo um dos poucos refúgios novas visões sobre a realidade são incentivadas e expostas. Geografia das Pequenas Paisagens é parte deste esforço. Mas, mais do que querer mostrar um lugar em específico, acima de tudo o que se almeja é alimentar um estado de espírito no qual cada espectador se sinta motivado a, ele próprio, sair, explorar, fotografar e mapear o mundo à sua volta. Não deixe de olhar para ele e não se esqueça que o lugar em que você vive merece ser valorizado.

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