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MINHAS LEITURAS 5 - Paisagem Como Modo de Entender o Mundo

Atualizado: 4 de mar.

Paisagem como modo de entender o mundo Laura Beatriz Lage

Joinville, Santa Catarina. Segunda-feira, dia 03 de março de 2025. 16h15. A temperatura nesse momento é de 31º C. De onde estou, consigo ver o céu ensolarado lá fora, claro, um morro coberto de árvores e o céu de um azul pálido com nuvens brancas. Do lado direito, a fachada de um prédio. Consigo ouvir os gritos e berros de crianças brincando, um aspirador de pó vindo de algum apartamento ou prédio vizinho, e o ruído do ventilador ao meu lado, trabalhando para espantar o calor. É carnaval - ou véspera de carnaval. Estou de folga do trabalho, e também um pouco resfriado, que peguei muito provavelmente por conta do ar-condicionado do carro, mas isso não vem ao caso agora.


Às vezes sou assombrado por um sentimento de não ser o suficiente. Tanta coisas ainda por fazer. Fotografar, escrever, assistir um filme, ler, estudar, escrever minhas resenhas, andar de bicicleta, subir uma montanha, produzir conteúdo para este blog, participar de uma exposição coletiva, promover minha arte, vender minha arte, editar as fotografias da viagem que fiz faz tempo. Se não fosse o bastante, ainda preciso trabalhar 8h por dia, preparar minhas refeições, lavar louça, lavar minha roupa, manter uma casa, pagar minhas contas. Quase não tenho tempo para os amigos, para manter uma vida social razoável. Talvez isso que signifique ser adulto - é viver uma vida em que tempo e dinheiro sempre serão insuficientes. E isso, às vezes, começa a parecer desesperador.


Isso que acabo de escrever não tem nenhuma relação com o livro que acabei de ler, ‘Paisagem como modo de entender o mundo’, de Laura Beatriz Lage. Mas ajuda a entender o porque de minha demora em resenhar a obra e o porque de eu não conseguir manter uma frequência descente de leituras. E no fim, parece ser sem sentido tudo o que escrevo, visto que aquilo que eu escrevo ninguém lê. É só uma fé em um futuro que provavelmente nunca se realizará. De todo modo, sempre tiro proveito de alguma coisa. Acima de tudo, escrevo para mim mesmo. Porque escrever enriquece nossas vivências, assim como as leituras.



 

‘Paisagem como modo de entender o mundo’ é uma dessas leituras enriquecedoras. É a quinta das dezoito leituras que me propus a realizar com o objetivo de conhecer melhor o lugar onde vivo. É um ótimo livro, mas que, infelizmente, não entregou o que promete no título. Ainda assim, não nego que contribuiu em muito para o meu entendimento sobre a paisagem e suas potencialidades.


Falando sobre a autora, Laura Beatriz Lage possui graduação em Arquitetura e Urbanismo, mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável e doutorado em Arquitetura e Urbanismo, pela UFMG. Atualmente atua como arquiteta e urbanista da Diretoria de Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte. Também é membro do ICOMOS no Comitê Nacional de Paisagem Cultural e membro experto do Comitê Científico Internacional sobre Paisagens Culturais - ISCCL.


A obra foi originalmente apresentada como tese na Escola de Arquitetura da UFGM, em 2018. O título original - "Paisagem como ligação entre a conservação do patrimônio e o planejamento territorial: conservation-preservation through development” - é muito mais preciso em relação ao conteúdo da obra, porém menos chamativo, já que deixa mais evidente de se tratar de um conteúdo mais específico, voltado para um público especializado. A escolha pela mudança do título certamente faz a obra chegar a um público mais amplo mas, no meu caso, não satisfez minhas expectativas, embora seja muito proveitoso.


Por isso não me estenderei aqui sobre uma análise completa do livro. O que foi mais proveitoso para mim - um leitor leigo em relação a arquitetura, urbanismo e planejamento territorial, mas com algum conhecimento em relação a área do patrimônio e interessado na questão da paisagem - foi a primeira parte do livro, na qual a autora inicia fazendo uma apresentação do conceito de paisagem (como surgiu e as transformações pelas quais passou ao longo dos séculos); em seguida trás autores e conceitos contemporâneos que abordam a questão da paisagem e, por fim, apresenta os equívocos de se ver a natureza como algo separado da humanidade e apresenta, então, os paradigmas emergentes para uma nova ciência que não trata mais a humanidade e a natureza como coisas separadas, mas sim como coisas unidas e interdependentes. A paisagem, assim, emerge como o espaço onde essa relação interdependente pode se desenvolver. 


Importante destacar que para a autora, a paisagem não é um local visto de determinado ponto de vista, mas sim algo muito mais amplo e que experimentamos por meio de todos os nossos sentidos - visão, audição, paladar, olfato, tato. A paisagem não é a natureza intocada, mas todo e qualquer espaço onde natureza e humanidade interagem de alguma forma - não apenas onde o homem modifica o ambiente, mas onde o ambiente também modifica o homem. O problema é que nossas cidades não levam em consideração nem a natureza nem a paisagem nos seus planos urbanísticos, e o resultado disso é a destruição da natureza e dos patrimônios culturais, consequentemente diminuindo a qualidade de vida dos seus habitantes.


Lage propõem que os órgãos de preservação do patrimônio, como o IPHAN, adotem uma nova concepção sobre paisagem, de modo que a paisagem possa ser incluída no planejamento territorial, e que a paisagem (como um todo) seja vista como algo importante a ser levado em consideração nesses planos. Mais que proteção (no sentido de manter intocado), conservação. A paisagem é processo, se modifica; mas a mudança deve levar em conta a paisagem, sua história, valorizá-la, criando lugares ricos em significado, que visem melhorar a qualidade de vida das pessoas.


 

É assim que resumo essa obra, mas nesse resumo muita coisa interessante ficou de fora. A todos que se interessam pelo tema da paisagem, fica a recomendação desta leitura. Antes de terminar, não posso deixar que esta me lembrou muito uma outra leitura que fiz anos atrás: ‘Cultura É Natureza: tribos urbanas e povos tradicionais’, de Lara Moutinho da Costa.


Mais do que falar sobre a paisagem, estas obras possibilitam enxergar o mundo de uma nova perspectiva, na qual humanidade e natureza não são vistas mais como coisas distintas, mas como uma coisa só. Se continuarmos a vermos a natureza como algo separado de nós que podemos usar e fazer como ela o que bem entender, as consequências, cujos sinais já começam a aparecer, serão catastróficas.


Céu Joinville Verão
Vista da sacada, Joinville, 2025

 

Paisagem como modo de entender o mundo Laura Beatriz Lage Editora UFMG 344 páginas

Ano 2023



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© 2024 por Fabio Moreira

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