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MINHAS LEITURAS 01 - A Arte de Viajar

Atualizado: 17 de nov. de 2024


Dias atrás compartilhei por aqui e lá no Instagram (@junckesmoreira) os dezoito livros que pretendo ler nos próximos meses. De alguma maneira, esses livros estão relacionados com o meu fazer fotográfico e com o propósito do meu trabalho como artista: inspirar as pessoas a conhecerem o lugar onde vivem.


Mas se o objetivo é inspirar as pessoas a conhecerem o lugar onde vivem, então por que começar essas leituras justamente com um livro que trata sobre … ‘A Arte de Viajar’? Bem, em primeiro lugar porque esse é um livro de leitura leve, fácil, rápida, agradável, mas nem por isso superficial - e era exatamente esse tipo de livro que eu precisava nesse momento. Em segundo lugar porque, em essência, este não é um livro sobre viagens. Este não é um guia sobre como planejar uma viagem, sobre o que levar na bagagem, sobre o que merece e o que não merece ser visitado. Aqui, a viagem é apenas um pretexto para nos fazer pensar sobre a vida e sobre como nos relacionamos com os lugares - com uma cidade distante para onde viajamos nas férias, com a natureza e monumentos naturais, com o bairro onde moramos.


Eu confesso que tenho dificuldades para falar sobre esse livro pois ele suscita em mim incontáveis pensamentos. É por essa justa razão que ele está entre os meus favoritos; é por isso que o leio pela terceira vez, e por isso que a cada leitura eu o aprecio mais e mais. Se você já viajou para um lugar e precisou voltar para casa antes de ver tudo o que havia para ser visto, deve saber o que estou dizendo. É assim que me sinto com este livro. Precisei visitá-lo para ver tudo aquilo que não consegui ver da primeira e da segunda vez. O texto que se segue é somente um pequeno relato desta viagem que, eu espero, possa ser tão proveitosa para você como foi para mim.



Alain de Botton é um filósofo e escritor suíço-britânico famoso por explicar ideias filosóficas de forma simples e prática para o dia a dia. Ele é fundador da School of Life, uma organização dedicada a promover a educação emocional e filosófica. Entre seus livros mais conhecidos estão Como Proust Pode Mudar Sua Vida, A Arte de Viver e O Curso do Amor, onde explora temas como o sentido da vida e a busca por uma existência mais plena.


Publicada originalmente em 2002, ‘A Arte de Viajar’ foi lançado no Brasil em 2012 pela editora Intrínseca. As 256 páginas do livro são divididas em nove capítulos escritos no formato de ensaio. A linguagem é simples; o texto, conciso. Alguns capítulos dialogam entre si, mas eles podem muito bem ser lidos de maneira independente. Em cada capítulo somos convidados a viajar para algum lugar - a ilha de Barbados, Amsterdã, Madri, a Zona Portuária de Londres, um aeroporto, um posto de gasolina. Em cada um desses lugares uma situação acontece, algo chama nossa atenção e nos vemos diante de uma indagação. Para respondê-las, Alain recorre a um “guia”: geralmente um escritor, pintor ou intelectual do passado. E assim, ao fim de cada jornada, os horizontes de nossos pensamentos se expandiram e retornamos para casa capazes de ver coisas que antes não víamos. 




Alain de Botton não teme em dizer que viagens podem ser, em muitos casos, frustrantes e ficar aquém de nossas expectativas. Que viagens podem ser cheias de irritações e aborrecimentos, e que se pode estar em uma cidade como Barcelona e ainda assim se deparar sem a mínima vontade de deixar o seu quarto de hotel. Que eventualmente pode acontecer de alguém se encontrar em uma ilha paradisíaca em Barbados e, ainda assim, extremamente incomodado e triste. Botton não idealiza as viagens. Não raras vezes, a realidade da viagem pode ser bem decepcionante. 


Porque nos sentimos entediados quando, supostamente, deveríamos estar animados por estar visitando uma cidade com milhares de coisas para se fazer? Por que pequenos detalhes aparentemente insignificantes - como as paredes e janelas de um prédio residencial, um supermercado ou placas de trânsito - de uma cidade distante nos fascinam? O que leva pessoas a abandonarem o conforto e a segurança do lar e partirem para lugares distantes, desertos, montanhosos e selvagens, onde os habitantes locais - na maior parte das vezes - possuem costumes muito diferentes dos nossos? São perguntas como essas que Alain de Botton - com o auxílio de J.K. Huysmans, Charles Baudelaire, Edward Hopper, Gustave Flaubert, Alexander von Humboldt, entre outros - nos ajuda a entender. Mas ele vai um pouco além. E era nesse ponto que eu queria chegar.



Como dito, este não é um livro necessariamente sobre viagens. Isso fica especialmente evidente nos últimos dois capítulos. Neles o texto se afasta das longas viagens para se concentrar no que está próximo de nós. 


No oitavo capítulo, intitulado ‘Da posse da beleza’, Alain de Botton nos apresenta a filosofia de John Ruskin e sua defesa do ensino do desenho e da “pintura com palavras” como ferramentas fundamentais para a arte de “saber ver”. Ruskin achava “estranho quão pouco as pessoas sabem sobre o céu. Nunca lhe damos atenção, nunca pensamos a respeito dele, mas o contemplamos apenas como uma sucessão de acidentes monótonos e insignificantes, comuns e inúteis demais para justificarem um momento de cuidado ou um olhar de admiração”. Para Ruskin, o desejo de viajar rapidamente a lugares distantes era sintoma da incapacidade de retirar prazer de qualquer lugar e aos seus detalhes.


Já no nono e último capítulo, ‘Do hábito’, somos apresentados a Xavier de Maistre, francês que ficou famoso por ter empreendido duas longas viagens ao redor de seu próprio quarto, as quais relatou em dois livros: ‘Viagem ao redor de meu quarto’, publicada em 1790 e ‘Expedição noturna ao redor do meu quarto’, de 1798. Ora deitado em sua cama, ora sentado em seu sofá, de Maistre se atentou a tudo o que estava a sua volta. Os móveis de seu quarto, sua cadela de estimação Rosine, seu criado Joannetti, às conversas nas ruas - tudo era digno de atenção. 


Para de Botton, “a obra de De Maistre emana de uma percepção profunda e sugestiva: o prazer que extraímos das viagens talvez dependa mais do estado de espírito em que viajamos do que do destino” p.238. Diante desta constatação, de Botton nos convida a olhar para nossas próprias cidades com a mesma disposição de um turista



Como habitantes de um determinado local, acabamos por nos habituar com tudo aquilo que, para um viajante, se mostra extremamente fascinante. Presos em nossas rotinas, estamos convictos de que já vimos tudo o que havia para ser visto, e de que não há nada mais a ser conhecido. Emaranhados na pressa de nossas obrigações cotidianas, deixamos de reparar no mundo à nossa volta. “Estamos convencidos de ter descoberto tudo o que é interessante numa vizinhança basicamente por ter vivido ali durante muito tempo. Estamos habituados e, portanto, cegos. [...] Caímos no hábito de considerar nosso universo tedioso - e ele atendeu devidamente às suas expectativas.” p.239


Cegos para o que nos cerca, ansiamos por viajar para um lugar distante, de preferência para um que se pareça com aqueles que vimos nos filmes ou nos programas de televisão. Temos vontade de conhecer um “outro povo”, uma “outra cultura”; ver novas coisas e constatar como a vida poderia ser vivida de uma maneira diferente. Longe de casa, todas as pequenas coisas parecem dotadas de um encanto especial - a cor dos tijolos de um prédio, as árvores e os arbustos, ônibus e supermercados. Longe de casa ficamos receptivos e nos aproximamos dos lugares com humildade. “Admiramos o que eles [os moradores locais] consideram detalhes pequenos e estranhos”.


E então - sugere Botton - por que não aplicar o mesmo princípio ao nosso bairro e ao lugar onde vivemos? O que nos impede de adotar o espírito do turista e aplicá-lo a nossa própria vizinhança? Sejamos sinceros - desconhecemos a maioria das ruas de nossa cidade, desconhecemos a maior parte das pessoas. E um mesmo lugar pode ser visto de diferentes perspectivas - à noite a rua tem um aspecto diferente de quando está de dia, e quando chove não é a mesma coisa quando está quente e faz sol claro. A paisagem muda conforme mudam as estações. Talvez o lugar onde moramos não seja assim tão entediante - eram apenas nossos olhos que estavam acostumados demais e já não eram mais capazes de apreciar o cenário à nossa volta. E quem souber apreciar o mundo à sua volta se dará conta de que, mesmo os lugares mais distantes, fazem parte deste lugar chamado lar. 


fotografia de uma página de livro, mostrando um avião no céu e galhos de árvore no primeiro plano

Mas a lição maior que fica é: por que viajar afinal? Por que observar o lugar onde vivemos com o espírito de turista? Por que saber apreciar as pequenas coisas que nos cercam? Para de Botton, Nietzsche tinha uma resposta: “enriquecer as nossas vidas”.


Nietzsche sugeria um segundo tipo de turismo, em que podemos aprender de que maneira nossas sociedades e identidades foram moldadas pelo passado, ganhando, assim, um senso de continuidade e vinculação. A pessoa que pratica esse tipo de turismo 'olha além da própria existência individual e transitória e sente o espírito de sua casa, de sua raça, de sua cidade'. [Assim], talvez voltemos de nossas viagens com uma coleção de pensamentos pequenos, despretensiosos, mas "enriquecedores da vida" p.111-112.

Viajar para um local distante, andar sem rumo pela cidade, desenhar, escrever, observar com atenção, fotografar, ler um livro, apreciar uma pintura - qual o propósito de tudo isso se não o de enriquecer as nossas vidas e encher-lhe de significado?


Não será surpresa para ninguém a influência que este livro exerceu sobre minha fotografia e sobre minhas crenças em relação ao papel que o artista exerce na sociedade na qual se encontra inserido. A arte é, sem dúvidas, uma daquelas ferramentas fundamentais para enriquecer as nossas vidas. E o que desejo com meu trabalho não é tanto uma maneira de enriquecer a minha vida, mas sim uma maneira de encorajá-lo a enriquecer a sua. Como artista e fotógrafo, tenho consciência de que exerço certa influência sobre o modo como as pessoas percebem o lugar onde vivem.


O sétimo capítulo, ‘Da arte que abre os olhos’, trata justamente sobre isso - da capacidade que o artista tem para mudar a percepção das pessoas sobre determinado lugar ou situação. Falando sobre o período que Van Gogh passou em Provença, região localizada no sul da França, de Botton escreve:


“E talvez, a maneira mais eficaz para enriquecer nosso sentido sobre o que procurar numa cena seja a arte visual. Podemos conceber muitas obras de arte como instrumentos incrivelmente sutis na transmissão de mensagens que se resumem a: “contemple o céu da Provença, refaça seu conceito de trigo, reconheça o valor das oliveiras”. Em meio a um milhão de coisas encontráveis, por exemplo, num trigal, uma obra de arte bem-sucedida destacará as características capazes de estimular o senso do belo e de interessar o espectador. Realçará elementos normalmente perdidos na massa de informações, estabilizando-os, e, uma vez que estejamos familiarizados com eles, nos exortará imperceptivelmente a encontrá-los no mundo ao nosso redor - ou, se já os encontramos, nos infundirá confiança para lhes dar peso em nossas vidas. Seremos como uma pessoa perto de quem determinada palavra foi mencionada muitas vezes, mas que só começa a ouvi-la depois de aprender seu significado.” p.183 

Talvez minhas fotografias não sejam apenas registros de paisagens desinteressantes de lugares sem graça. Talvez elas sejam um pouco mais do que isso. Elas são, na verdade, um convite. Repare no lugar onde você vive, conheça as pessoas à sua volta, ouça-as com atenção. Olhe mais uma vez, veja esses rios, essas montanhas e a floresta à nossa volta. Esse lugar, que às vezes te parece tão banal, pode ser bem mais que um lugar para morar - pode ser um lugar para viver.


Fotografia de um canal de irrigação em campos de arrozais. O canal está em primeiros plano, e ao fundo podemos ver um rancho de madeira com duas palmeiras.
Canais de Irrigação - Guaramirim, 2024

. . .


Bem, essa foi minha resenha do livro ‘A Arte de Viajar’, de Alain de Botton. Espero ter estimulado você a lê-lo por conta própria, pois o que relato aqui é apenas uma pequena fração dos pensamentos que tive no decorrer das páginas. Esta é a primeira resenha de muitas outras leituras que pretendo fazer e compartilhar com vocês. Se tudo der certo, estarei aqui na semana que vem. Então, até breve.


Terça-feira, 05 de novembro de 2024

Joinville, Santa Catarina.

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© 2024 por Fabio Moreira

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